Angola: Imenso potencial turístico começa a ser explorado

Dos pregões dos zungueiros ao ziguezaguear das candongas, existe um trânsito caótico. O luxo e o lixo lado a lado tornam a vida em Luanda digna de olhares curiosos. As samakakas que envolvem as cinturas das mulheres colorem a capital angolana de padrões fora dos padrões. Ritmos? São muitos. Do sensual kizomba ao trepidante kuduro, da observação romântica de Ondjaki à escrita seca de Mestre Kapela. A transgressão está em Angola. As construções quase cortam o céu na Baía de Luanda. A luz do sol, ao contrário de (quase) tudo, nasce para todos naquele pedaço da África Austral. Os musseques, ah os musseques… São a extensão do que entendemos como favelas, porém com ritmos tão desconsertantes, tão ímpares em sua extensão, tão angolanos. Esse país é assim, cheio de cadências e requebrados. Cheio de ritmos.

Muitos caminhos levam às origens em África. Colônia de Portugal até 1975, Angola é a irmã de língua mais próxima do Brasil fora da Europa. Números da embaixada brasileira em Luanda apontam que mais de dez mil brasileiros vivem por lá, a maioria na capital. Um país que, mesmo com quase 30 anos de guerra civil após sua libertação, cresce cerca de 8% ao ano e, desta forma, encontra-se, cada vez mais, de braços abertos à ordem capitalista que movimenta a economia globalizada. Mas isso tem seu preço. Luanda foi apontada por estudo da consultoria Mercer deste ano como a cidade com o mais alto custo de vida no mundo.

Basta um olhar mais atento para, do alto de qualquer prédio em Luanda, avistar novas construções que se distinguem tanto pela personalidade de uma capital com os pés no futuro como pela estética de uma arquitetura que não dispensa o passado. Em busca deste cenário, encontramos um terreno fértil para o desenvolvimento cultural e arquitetônico de Angola e o bem-estar de sua população. Reflexo de um país em mudança acelerada. A despeito do avanço ocidental sobre seus costumes, Angola guarda a sete chaves sua História, preservando, desta maneira, sua alma primitiva.

A Baía de Luanda mostra ao vistante um projeto estruturante e emblemático desse novo momento do país africano. Em uma área que sofreu grande impacto durante a guerra civil — iniciada em 1975 após a independência do país e encerrada em 2002 — houve investimento com preocupações ecológicas, como a descontaminação das águas da baía, principal atrativo turístico da capital.

OBRAS DE KAPELA

E NAVIOS FANTASMAS

Nos arredores da Baía, encontramos o ateliê do Mestre Kapela, uma edificação em ruínas do edifício que abriga a União dos Artistas Angolanos. Uma discreta porta lateral dá acesso a um charmoso pátio frequentado por policiais armados. Coisas de Luanda. Mas no meio de todo esse cenário há um vasto repertório de obras de Kapela, carregadas de mensagens políticas e religiosas.

Perto dali, o Elinga Teatro é o local onde tem arte, moda e entretenimento para todas as vontades. No terraço, cheio de bares e cores, as noites de sexta e sábado são animadas por DJs. O prédio, com heranças do século XVIII, guarda, no segundo andar, peças assinadas pelo estilista Muamby Wasaky. Entre trabalhos que alinham cores a padrões, a coleção é aberta à visitação. No bairro de Matumba, o Elinga está no coração de Luanda. No seu entorno, desde o fim da guerra, um enorme estaleiro transforma a configuração física da cidade e a relação dos moradores com a mesma.

No estilo art nouveau, o Cine Teatro Nacional está cravado na baixa luandense e sedia a Associação Cultural Chá de Caxinde. Patrimônio Histórico e Cultural de Angola, o espaço foi inaugurado em 1932 para receber músicos angolanos e estrangeiros. Hoje, é palco para atividades como teatro, dança e, acredite, desfiles carnavalescos.

Na nova Marginal de Luanda, o memorial dr. António Agostinho Neto homenageia o primeiro presidente angolano, com sarcófago, centro cultural e museu.

O sol insiste em brilhar no céu rosado de Luanda. Os dias são sempre de calor, banhos de mar, refrescantes mergulhos, uma ou outra emoção. Este é sonho dos 20 milhões de angolanos e de turistas que buscam o mar.

Na praia de Cabuledo, é possível surfar ou apenas contemplar as belezas de seu entorno. A vista do Rio Kwanza é privilégio da Barra do Kwanza, perto da Ilha de Mussulo, onde dia e noite parecem uma coisa só pelas festas ao estilo sunset. Uma das sete maravilhas naturais de Angola, a pequena ilha contrasta com o restante de Luanda, habitada pela rotina das grandes cidades. Também conhecida como Ilha de Massula, é um dos principais destinos para as férias, seja pela calmaria das praias de areia dourada ou pelos bares badalados, que servem peixes e frutos do mar, além de drinques com frutas tropicais, ao som de DJs. A dez minutos de barco de Luanda, a ilhota oferece ainda atividades ao ar livre, especialmente esportes marítimos, como mergulho e windsurfe.

Ao anoitecer de volta à cidade, uma opção diante do Atlântico são as exibições de filmes na cobertura dos prédios. Destacado no livro “Os transparentes”, do angolano Ondjaki (vencedor do Prêmio José Saramago em 2013), o projeto “Cinema no telhado” é gratuito e apresenta produções de diferentes países, inclusive do Brasil.

Nos fins de semana, a Ilha do Cabo, também chamada de Ilha de Luanda, ganha tons de festas intermináveis. Uma sequência de espaços destinados a shows e gastronomia ocupa a faixa que divide o asfalto da areia. Os mais conhecidos são o Chill Out e o Lokal, onde o semba divide a pista com a música eletrônica, sem hora para acabar. Com vista para o mar, a maioria das casas oferece pratos da cozinha mediterrânea em generosas porções.

Imagine um prato à base de atum, vinho, uísque, leite, azeite e cubos de caldo de carne? Foi desta forma que ingressei num roteiro gourmet pela capital angolana. Em um bom restaurante no complexo gastronômico chamado Angola Food & Drink, na Ilha do Cabo, a sopa de coco é servida com abóbora, o calulu com angu e os cogumelos selvagens com camarão de Namibe. É típico, mas que tal um combinado de sushis? Ou um risoto de pimentas e lagosta? Tem de tudo um pouco. A mousse de morango é uma das preferidas para a sobremesa.

O cardápio é bem diversificado e uma refeição fica em torno de 3 mil kwanzas angolanos, ou cerca de US$ 30. Akara é uma mistura de feijões com especiarias tradicionais da Nigéria, o que torna o prato excepcional. Acompanha flocos de aveia ou custarda (doce africano feitocom amido de milho e aromatizado com baunilha). O chef João Carlos da Silva é de São Tomé e Príncipe e aposta na feijoada à moda da terra e no doce de papaia verde com maracujá. Já Carlos Graça levou de Moçambique o chatini (combinado de tomate e especiarias) com peixe seco, o matapa (refogado) de camarão e amendoim e o matoritori (doce de coco). O anfitrião é o angolano Rui Sá que recebe convidados com iguarias que vão além da imaginação. Entre as estrelas do cardápio, estão os salteados de cogumelos selvagens com camarão do Namibe.

A 20 km ao norte de Luanda, um trecho de areia e mar de água morna concentra um verdadeiro baú de memórias. O Cemitério de Navios guarda histórias de fantasmas capazes de atrair os mais curiosos à Praia de Santiago. É um dos maiores do mundo a acumular centenas de embarcações de grande porte — muito em razão dos anos de conflito — em estado de oxidação. Uma das mais antigas, o navio Karl Marx, foi um petroleiro de 70 metros.

A dica é aproveitar o passeio para saborear um peixe assado à beira da estrada, servido pelas “mamas” com feijão a óleo de palma (dendê), salada de alface, molho de cebola, bananas-pão (da terra) e batata-doce.

O PARAÍSO AZUL DE BENGUELA

Famosa por suas belezas naturais, Benguela é um verdadeiro mosaico de relevo, vegetação e água cristalina. No litoral–centro-sul de Angola, a 420km de Luanda, encontramos esta cidade conhecida em toda a África por suas praias. E neste quesito há opções para todos os gostos. As mais isoladas, as mais frequentadas, as mais apreciadas pelos amantes de mergulho, enfim as mais belas.

Como diz a canção que leva o nome do local, “Benguela é a terra onde o mar tem calma”. E que calma. A mais famosa, Praia Morena, tem areia branca que se inicia na Baixa de Benguela e se estende por cerca de mil metros. É a praia preferida dos jovens da cidade e região, onde a badalação corre noite afora.

Na Baía Azul se escondem as joias raras deste pedaço do paraíso da África Austral. Como o próprio nome sugere, a água é tão azul que faz desta área ser merecedora — guardadas as devidas proporções — do título de Caribe africano e atrai não só latinos, como também europeus.

Os restaurantes à beira-mar servem carnes, peixes e outras iguarias típicas.

Benguela limita-se a norte com o charmoso município de Lobito, onde uma alameda de restaurantes e bares é um convite a um brinde e, claro, à boa mesa, repleta de mariscos e frutos do mar. Não deixa de ir ao Zulu e pedir o peixe grelhado.

No caminho de volta, a 40 km de Luanda, a dica é parar no Miradouro da Lua e admirar o conjunto de belas falésias que margeiam o Oceano Atlântico. A vista é do alto e pode render boas fotos. O que, sem dúvida, dispensa a utilização de filtros.